Durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985), o jornal O Estado de S. Paulo teve uma postura inicialmente favorável ao golpe de 1964, alinhando-se com setores que viam no movimento militar uma forma de combater a ameaça comunista e restaurar a ordem. No entanto, com o endurecimento do regime, especialmente após o Ato Institucional nº 5 (AI-5) em 1968, o jornal passou a adotar uma postura crítica à censura e às restrições à liberdade de imprensa.
A família Mesquita, proprietária do jornal, manteve uma posição editorial de resistência à ditadura, embora de forma estratégica para evitar represálias mais severas. Um dos episódios mais simbólicos dessa resistência foi a adoção de mensagens cifradas para driblar a censura imposta pelo governo. Como os censores vetavam determinados conteúdos, O Estado de S. Paulo substituía esses trechos censurados por versos de Os Lusíadas, de Camões, como forma de denunciar a interferência do regime na imprensa.
Ao longo dos anos, o jornal reforçou sua posição em defesa da redemocratização, apoiando movimentos como a campanha pela Anistia e, posteriormente, as Diretas Já. Essa trajetória consolidou a reputação do Estadão como um veículo defensor da liberdade de expressão, apesar de seu apoio inicial ao golpe de 1964.
Nos quatro anos iniciais da ditadura militar no Brasil (1964-1968), O Estado de S. Paulo teve um papel de apoio significativo ao novo regime. Alguns dos episódios mais marcantes desse alinhamento incluem:
Apoio ao Golpe de 1964 – O jornal endossou a deposição do presidente João Goulart, retratando o golpe como uma necessidade para conter uma suposta ameaça comunista e preservar a ordem democrática. Editorialmente, o Estadão justificava a intervenção militar como um "contragolpe" para evitar uma ditadura de esquerda.
Apoio às Medidas dos Primeiros Governos Militares – O jornal respaldou a posse do marechal Castelo Branco (1964-1967) e sua política econômica liberal, além das reformas promovidas pelo novo governo, como o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), que buscava combater a inflação e modernizar a economia.
Endosso ao Ato Institucional nº 2 (AI-2) – Em 1965, quando o governo militar editou o AI-2, extinguindo os partidos políticos e instaurando o bipartidarismo (ARENA e MDB), o Estadão não se opôs frontalmente, mantendo uma linha editorial que via essas medidas como necessárias para a estabilização do país.
Defesa da Cassação de Políticos Opositores – O jornal apoiou a cassação de figuras ligadas ao governo de João Goulart e ao antigo PTB, alegando que muitos desses políticos representavam um risco ao país. Não houve críticas diretas ao expurgo promovido pelo regime nos primeiros anos.
Apoio ao AI-3 e à Restrição Eleitoral – Em 1966, quando o regime impôs eleições indiretas para governadores por meio do AI-3, o Estadão não demonstrou resistência significativa, aceitando a medida como parte do novo modelo político instaurado.
Apesar desse apoio inicial, com o endurecimento da ditadura e o aumento da censura, especialmente após o AI-5 em 1968, o Estadão começou a se distanciar do regime e passou a criticar mais abertamente a falta de liberdades democráticas.
“Como quase toda a grande imprensa, o Estadão apoiou a deposição do presidente João Goulart (1919-1976), defendendo uma intervenção militar transitória, que serviria para impedir um golpe da esquerda e cessaria após reformas estruturais e com a convocação de eleições no ano seguinte, como previa o calendário eleitoral. Temia-se o caos e a aproximação com o socialismo nos moldes cubanos. Essa foi a posição de Mesquita.
O Estadão externou seu primeiro incômodo com o rumo que as coisas estavam tomando apenas nove dias após o golpe, ao alertar: “espera-se que [o regime] vigore somente até 1966 com a posse de um novo presidente eleito.”
Em 1965, com a decretação do Ato Institucional nº 2 (AI-2), que cancelou as eleições presidenciais, o jornal iniciou o rompimento com o governo. A ruptura definitiva ocorreu em dezembro de 1968, com o endurecimento ainda maior do regime a partir do AI-5. A publicação do editorial “Instituição em Frangalhos” motiva a apreensão do jornal e a invasão de sua gráfica pelos militares. Posteriormente, há a instalação da censura imposta pela ditadura, contra a qual o jornal sempre lutou.”
Existiu uma relação entre o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e a USAID (United States Agency for International Development) na década de 1960. O IPES foi uma organização criada no Brasil por setores da elite empresarial e militar com o objetivo de combater o avanço das ideias comunistas e preparar o terreno para a deposição de João Goulart, desempenhando um papel fundamental no apoio ao golpe militar de 1964.
A USAID, por sua vez, era uma agência do governo dos Estados Unidos responsável por programas de ajuda ao desenvolvimento, mas que, durante a Guerra Fria, também financiava atividades de contenção ao comunismo na América Latina. Durante os anos 1960, a USAID e outras entidades norte-americanas forneceram apoio financeiro e logístico a organizações anticomunistas no Brasil, incluindo o IPES.
Evidências da relação entre IPES e USAID:
1. Financiamento e Apoio Técnico – Há indícios de que a USAID canalizou recursos para projetos ligados ao IPES, sobretudo na área de propaganda e treinamento ideológico. Isso fazia parte da estratégia dos EUA de apoiar grupos civis que defendiam um alinhamento com Washington e um modelo econômico liberal.
2. Campanhas Anticomunistas e de Propaganda – O IPES produziu materiais audiovisuais, artigos e palestras contra João Goulart e a esquerda, com apoio de entidades estrangeiras. Há registros de que a USAID, junto a outras organizações norte-americanas, auxiliou na produção e difusão desse material.
3. Interferência no Contexto Político Brasileiro – A USAID, em colaboração com o IPES e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), teve um papel na articulação de forças políticas conservadoras que apoiaram o golpe militar. Ambos os institutos foram canais de influência externa para disseminação de ideias pró-mercado e anticomunistas.
4. Relação com o Programa Aliança para o Progresso – A USAID foi uma das principais responsáveis por implementar o programa norte-americano Aliança para o Progresso, cujo objetivo oficial era promover o desenvolvimento econômico e social na América Latina, mas que também foi usado para reforçar governos alinhados com os interesses dos EUA. O IPES, por sua vez, ajudou a articular empresários e militares em torno dessas diretrizes.
A relação entre o IPES e a USAID faz parte do contexto mais amplo da influência dos Estados Unidos na política brasileira durante a Guerra Fria, especialmente no apoio a grupos que favoreceram o golpe de 1964 e a consolidação do regime militar.
O Ato Institucional nº 5 (AI-5), decretado em 13 de dezembro de 1968, foi o mais duro e repressivo dos 17 Atos Institucionais promulgados pelo regime militar no Brasil. Ele marcou o início do período mais autoritário da ditadura, conhecido como "anos de chumbo" (1968-1974), e deu ao governo poderes praticamente absolutos, permitindo perseguições políticas, censura e repressão violenta.
Principais Medidas do AI-5:
1. Fechamento do Congresso Nacional – O presidente passou a ter o poder de fechar o Congresso, as Assembleias Legislativas estaduais e as Câmaras Municipais quando considerasse necessário. O Congresso foi fechado no mesmo dia da decretação do AI-5 e permaneceu assim por quase um ano.
2. Poderes Absolutos ao Presidente – O chefe do Executivo poderia cassar mandatos de parlamentares e suspender direitos políticos de qualquer cidadão sem necessidade de justificativa legal.
3. Censura Prévia – Foi ampliada a censura a jornais, rádios, televisão, cinema, teatro e música. A censura visava impedir críticas ao regime e a divulgação de ideias consideradas subversivas.
4. Perseguição Política e Prisões Arbitrárias – O AI-5 permitiu ao governo prender opositores sem necessidade de mandado judicial, facilitando a repressão a estudantes, artistas, jornalistas e intelectuais.
5. Intervenção no Judiciário – O Executivo poderia afastar juízes que não se alinhassem ao regime, enfraquecendo ainda mais a independência do Poder Judiciário.
6. Fim do Habeas Corpus para crimes políticos – Cidadãos acusados de crimes contra a "segurança nacional" ou a "ordem econômica" não podiam mais recorrer ao habeas corpus, permitindo que o regime prendesse opositores sem oferecer meios legais para defesa.
Contexto e Consequências
O AI-5 foi uma resposta do regime à crescente oposição política e social. O estopim foi um discurso do deputado Márcio Moreira Alves (MDB) no Congresso, pedindo que a população boicotasse os desfiles militares no dia 7 de setembro como protesto contra o regime. Como o Congresso recusou punir o deputado, os militares usaram isso como justificativa para endurecer ainda mais o regime.
Após o AI-5, houve um aumento significativo da repressão. Foram anos de intensificação da tortura, assassinatos e desaparecimentos políticos, com a atuação brutal de órgãos como o DOI-CODI e o DOPS. Muitos opositores se exilaram ou ingressaram na luta armada contra o regime.
O AI-5 permaneceu em vigor até 31 de dezembro de 1978, quando foi revogado como parte da lenta abertura política promovida pelo governo Geisel.
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