19 junho 2014

O INCONSCIENTE

Texto extraído de uma fala do Prof. Clóvis de Barros Filho:

"Nós vamos partir de uma premissa nietzscheana, que, bem ou mal, Espinosa já tinha introduzido, e que Freud vai consagrar. E qual é a premissa? aquilo que passa pela sua cabeça, ou, se você preferir, a consciência, é a parte ínfima e menos importante, e pior, da sua psique. Eu vou repetir: aquilo que passa pela sua cabeça é a parte ínfima, de pior qualidade, e menos importante da sua psique. Então, se você acha que o que você pensa é o que passa pela sua cabeça, saiba que o que não passa pela sua cabeça é o que tem de melhor no seu pensamento. O seu pensamento é muito mais amplo do que aquilo que passa pela sua cabeça. Então nós podemos chamar isso com o nome que isso ganhou: aquilo que você pensa e que não passa pela sua cabeça é denominado de Inconsciente.

Então eu gosto de dar essa metáfora: imagine se todo o seu pensamento pudesse estar no chão de uma sala... pois então a sua consciência é uma lâmpada que ilumina, como se fosse um spot — um pequeno holofote, que ilumina e transita pela sala. Então, isso é o que está passando pela sua consciência agora, mas você continua pensando fora dali. Imagina... você pode demonstrar isso mesmo nessas psicologias de botequim: você faz uma pergunta para alguém, uma informação que a pessoa sabe mas não se lembra na hora, e de repente ela diz 'Ah!'; então o que foi? ela continuou pensando, e de repente a pessoa põe o holofote lá e ela diz: 'lembrei'. A metáfora pode ser também a da ponta do iceberg. É óbvio que o pensamento continua fora da sua consciência. É óbvio que continua fora e, então, eis aí a ponta do iceberg. Nietzsche diz em alemão: es denkt in mir, que significa algo pensa em mim. Perceba que não é 'eu penso', e sim algo pensa em mim. Isso é fundamental. Em outras palavras, o que acontece é que você não é senhor do próprio pensamento. O pensamento é uma atividade do seu corpo que transcende o seu controle consciente. Algo pensa em mim... portanto, existe uma força que pensa em mim, e que obviamente escapa à minha decisão, ao meu controle, a minha deliberação, e assim por diante. Ficou claro isso: 'Eu não sou completamente responsável por aquilo que eu penso'? Algo pensa em mim, isso é fundamental você entender.

Segundo Nietzsche, a consciência é a parte mais ínfima e a pior de tudo o que o indivíduo pensa; portanto, o inconsciente é o essencial da vida psíquica. Não existe um 'eu' arquitetando coisas, existe força que produz pensamento. Eu, quando muito, assisto o que eu mesmo pensei, e consequentemente falei. É só o seu corpo, é tudo o que é, é só a imanência do corpo, é só a força vital; é só o corpo que, enquanto movido por uma energia, tem uma competência de articulação de símbolos, é só isso. Então, não existe controle. É o que Espinosa chamava de Deus. Só que o Deus de Espinosa sou eu mesmo, é o Deus das causalidades materiais, é o Deus das coisas como elas são, é o Deus das sinapses, é o Deus da energia vital, é o Deus que pensou no meu lugar; mas não é que ele é outro em relação a mim, ele sou eu mesmo, eu enquanto corpo pensante, algo que pensa em mim. O que você poderia chamar de 'eu': a reunião de um corpo que pensa, que se movimenta, e que é movido por uma energia que oscila, e que oscila em função dos choques e dos encontros com outras energias. Não há nenhuma especificidade de você em relação a animais, plantas ou mesmo minerais.

Nesse momento valeria uma comparação com os dois outros pensadores que também são pensadores da desconfiança, da suspeita, por que pensadores da suspeita? porque suspeitam que a consciência não é senhora de si mesma, que são Marx e Freud. Se você ler Marx, você dirá: aquilo que passa pela sua cabeça é a ideologia, e essa ideologia não se explica por si só, existe um inconsciente coletivo que é determinado pelas forças de produção e pelas relações de produção. Se você ler Freud, você dirá: o que passa pela sua cabeça é a ponta do iceberg, que é determinado por um inconsciente que você não controla e do qual você obviamente não tem consciência porque senão não seria inconsciente.

Pois muito bem: qual é a diferença de Freud, Marx e Nietzsche? Porque existe uma diferença fundamental. Quando o analisando vai no divã psicanalítico e começa a falar, o freudismo tem a pretensão de estabelecer sobre aquele discurso uma espécie de verdade, é a verdade do inconsciente que emerge na análise. O analista, portanto, constrói uma gramática que relaciona o que o analisando diz com aquilo o que ele diz significa. E essa gramática é chamada de interpretação dos sonhos, e tem um lindo livro do Freud sobre isso. Então, o que é a psicanálise? é uma forma de construção de verdades sobre o inconsciente daqueles que se submetem a esse tipo de análise. Ora... e o marxismo? é a convicção de que a sociologia identificará verdades sobre o que passa pela cabeça das pessoas enquanto ideologia. Eu não sei se você percebeu, mas quando Marx e Freud analisam o discurso de alguém, eles analisam na posição de cientista, na posição daquele que sabe o que o outro não sabe, na posição daquele que sai da ilusão e chega até a verdade. No caso de Marx, isso ainda é pior. Os marxistas, além de acreditarem na verdade, são dogmáticos; não só eles sabem a verdade, como só aquela é a verdade. Nesse ponto, Nietzsche é infinitamente mais sofisticado. Por quê? porque quando você vai analisar o mundo, quando você vai analisar um discurso, diz Nietzsche: a interpretação é por sua vez interpretável, e a interpretação da interpretação também é interpretável, e assim por diante, e haverá sempre uma caverna por detrás da caverna, haverá sempre um submundo por detrás das fundações, haverá sempre interpretações ao infinito. Então, para que isso fique mais claro: imagine você no divã; você deita e começa a falar, aí vira o analista e diz: bom... eu vou interpretar o que você falou; para Freud morreu ali, para Nietzsche não. Quando o analista interpreta o que o outro falou, o que ele mesmo falou nada mais é do que o resultado das suas próprias forças vitais e, portanto, pode ser interpretado por um outro, que quando for interpretar vai falar das forças vitais dele, e quando mais um outro for falar vai também falar das suas próprias forças vitais; em outras palavras: só há interpretações ao infinito. É o que Nietzsche chama do Nosso Novo Infinito. Ele simplesmente diz: esse é o nosso novo infinito. O nosso novo infinito é isso: é o fato de que quando nós falamos sobre o mundo, o que nós falamos não é bem uma análise objetiva do mundo, mas é aquilo que as nossas forças vitais e os nossos estados de psique determinaram. E, portanto, evidentemente, quando Nietzsche escreve a sua obra, ele não diz: leia isso aqui porque isso aqui é a verdade sobre o mundo. De jeito nenhum. Melhorar a humanidade é a única coisa que você não deve esperar de mim, ele diz, isto aqui é a minha produção, isto aqui são as minhas forças. Quando o psicalista fala do discurso do analisando, não há no discurso do psicalista nem uma vírgula de verdade a mais do que o próprio analisando falou. E se um outro analista analisar a análise desse analista, também não haverá nenhuma vírgula a mais de verdade. Por quê? porque todos estarão falando apenas o que as suas forças vitais estiverem determinando. Por isso diz Nietzsche: toda filosofia é uma fachada, toda palavra é uma máscara, tudo é uma ilusão, nada mais é do que forças vitais em produção, em produção semiótica, em produção psíquica, só isso, nada mais do que isso."
— Prof. Clóvis de Barros Filho

(mais informações sobre o trabalho do Prof. Clóvis podem ser encontradas no seu site Espaço Ética)

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A teoria que Nietzsche desenvolveu sobre o inconsciente, ainda no século 19, está sendo comprovada atualmente pelas pesquisas em neurociência:



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14 junho 2014

O DEUS PREJUDICADOR

FRIEDRICH NIETZSCHE
1844-1900

Nietzsche, em Crepúsculo dos Ídolos, faz as seguintes afirmações:

"Todo naturalismo na moral, ou seja, toda moral sadia, é dominado por um instinto de vida — algum mandamento da vida é preenchido por determinado cânon de 'deves' e 'não deves', algum impedimento e hostilidade no caminho da vida é assim afastado. A moral antinatural, ou seja, quase toda moral até hoje ensinada, venerada e pregada, volta-se, pelo contrário, justamente contra os instintos da vida  é uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e insolente, desses instintos. Quando diz que 'Deus vê nos corações', ela diz Não aos mais baixos e mais elevados desejos da vida, e toma Deus como inimigo da vida... O santo no qual Deus se compraz é o castrado ideal... A vida acaba onde o 'Reino de Deus' começa...

Dado que se tenha compreendido o caráter hediondo dessa revolta contra a vida, que se tornou quase sacrossanta na moral cristã, compreendeu-se também, felizmente, uma outra coisa: o que há de inútil, aparente, absurdo, mentiroso numa tal revolta...

Ao falar de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos força a estabelecer valores, ela mesma valora através de nós, ao estabelecermos valores... Disso se segue que também essa antinatureza de moral, que concebe Deus como antítese e condenação da vida, é apenas um juízo de valor da vida — de qual vida? de qual espécie de vida?  Já dei a resposta: da vida declinante, enfraquecida, cansada, condenada. A moral, tal como foi até hoje entendida  tal como formulada também por Schopenhauer enfim, como 'negação da vontade de vida' , é o instinto de decadência mesmo, que se converte em imperativo: ela diz: 'pereça ela é o juízo dos condenados...

Consideremos ainda, por fim, que ingenuidade é dizer 'assim e assim deveria ser o homem!'. A realidade nos mostra uma fascinante riqueza de tipos, a opulência de um pródigo jogo e alternância de formas: e algum pobre e vadio moralista vem e diz: 'Não! o ser humano deveria ser outro!'..."

Crespúsculo dos Ídolos
FRIEDRICH NIETZSCHE
Editora Companhia Das Letras
páginas 36 e 37

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Nos vídeos abaixo, o Prof. Leonardo Zoccaratto Ferreira nos apresenta uma excelente explanação desse pensamento nietzscheano:

Crepúsculo dos Ídolos - Parte 1


Crepúsculo dos Ídolos - Parte 2


Crepúsculo dos Ídolos - Parte 3


12 junho 2014

RELIGIÃO E ESQUIZOFRENIA

A foto abaixo mostra uma mulher hindu rezando em torno de uma árvore banyan durante ritual em que mulheres casadas pedem longa vida aos maridos, em Mumbai, na Índia.


(fonte: Folha de S.Paulo)

O que é Esquizofrenia?
Psicose em que o doente perde o contato com a realidade, e vive num mundo imaginário que para si próprio criou.
(fonte: Michaelis)

"Em Futuro de uma Ilusão, Freud (1962) escreveu: Religião seria assim a neurose obsessiva universal da humanidade... A ser correta essa conceituação, o afastamento da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento… Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, em um indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo com um repúdio da realidade, tal como não encontramos, em forma isolada, em parte alguma senão na amência, em um estado de confusão alucinatória beatífica…".
(fonte: Religião, espiritualidade e transtornos psicóticos)