03 julho 2025

CORTEZ THE KILLER (Neil Young)

Lançada em 1975 no álbum Zuma, a música “Cortez the Killer”, de Neil Young (com participação de sua banda Crazy Horse), é uma poderosa mistura de lirismo poético, crítica histórica e paisagens sonoras melancólicas. Com mais de sete minutos, a canção intercala longos trechos instrumentais com letras que abordam a chegada do conquistador espanhol Hernán Cortés ao Império Asteca.


Tema e Contexto Histórico

O título da música já sugere seu centro narrativo: Hernán Cortés, conquistador espanhol que, no século XVI, liderou a invasão do território asteca no atual México. A letra de Neil Young, no entanto, subverte a perspectiva tradicional eurocêntrica e retrata Cortés como um destruidor de uma civilização próspera, espiritual e integrada à natureza:
“He came dancing across the water / With his galleons and guns”
O contraste é claro: de um lado, uma cultura indígena idílica e quase mítica; do outro, um invasor violento e insensível, motivado por ganância e dominação. Neil Young não busca fidelidade histórica absoluta, mas sim evocar a brutalidade da conquista colonial e seu impacto devastador sobre povos originários.

Construção Poética e Imaginário Romântico

A canção retrata os astecas de forma idealizada, quase como uma civilização utópica:
“And his subjects gathered 'round him / Like leaves around a tree”
Essa idealização é deliberada. Neil Young está menos interessado em documentar a história e mais em denunciar, com lirismo, a perda de algo precioso. A cultura indígena é retratada como profundamente espiritual e harmoniosa, contrastando com o materialismo e a violência europeus.

A Dimensão Pessoal e Emocional

Na segunda metade da música, há uma transição sutil da crítica histórica para um lamento mais pessoal e amoroso. A figura feminina introduzida (às vezes interpretada como uma metáfora para a terra perdida ou para um amor destruído) dá à canção uma ambiguidade emocional e uma profundidade intimista.
“And I know she's living there / And she loves me to this day”
Essa mudança de foco amplia o sentido da música, sugerindo que a destruição causada por Cortés é também uma metáfora para perdas mais íntimas — pessoais, espirituais, culturais.

A Música em Si

Musicalmente, “Cortez the Killer” é uma peça atmosférica, conduzida por riffs de guitarra lentos e arrastados, com solos extensos e melancólicos que criam uma sensação de lamento contínuo. A voz lânguida de Neil Young reforça esse tom. A estrutura da música, com longos interlúdios instrumentais, permite que a emoção seja transmitida tanto pela letra quanto pelo som — um exemplo de storytelling musical onde a guitarra “fala” tanto quanto o vocal.

Censura e Subversão

Curiosamente, a música foi temporariamente banida na Espanha durante a ditadura franquista, o que reforça sua carga crítica e subversiva. Falar negativamente de Cortés — símbolo do "orgulho imperial espanhol" — era visto como um ataque ao nacionalismo.

Interpretações e Legado

“Cortez the Killer” é frequentemente interpretada como uma crítica ao colonialismo, uma meditação sobre a perda e um tributo à cultura indígena. Também é um dos exemplos mais notáveis de como a música rock pode tratar de temas históricos e políticos com profundidade emocional.
Artistas como Dave Matthews e Built to Spill já fizeram covers da música, reconhecendo seu impacto duradouro tanto musical quanto tematicamente.

Conclusão

“Cortez the Killer” é mais que uma canção sobre a conquista espanhola — é uma elegia àquilo que é destruído pelo poder e pela ganância. Neil Young, com sua combinação de poesia lírica e solos de guitarra hipnóticos, nos convida a refletir sobre as cicatrizes deixadas pela história e sobre as perdas — coletivas ou pessoais — que moldam nossa experiência humana.

LETRA

He came dancing across the water
With his galleons and guns
Looking for the new world
And the palace in the sun

On the shore lay Montezuma
With his coca leaves and pearls
In his halls, he often wandered
With the secrets of the world

And his subjects gathered 'round him
Like the leaves around a tree
In their clothes of many colors
For the angry gods to see

And the women all were beautiful
And the men stood straight and strong
They offered life in sacrifice
So that others could go on

Hate was just a legend
And war was never known
The people worked together
And they lifted many stones

And they carried them to the flat lands
But they died along the way
And they build up with their bare hands
What we still can't do today

And I know she's living there
And she loves me to this day
I still can't remember when
Or how I lost my way

He came dancing across the water
Cortez, Cortez
What a killer